[aulas de TEATRO DE ANIMAÇÃO EM CAIXAS -
professores: Aníbal Pacha e Fernando]
*Projeto de Extensão “Teatro das Coisas – reaproveitamento material
e imaterial do mundo”, coordenação: Profº Aníbal Pacha/ ETDUFPA.
Durante a aula prática ocorrida no domingo último (29/09/2013)
na Pça. da República (Belém/PA), dei inicio ao procedimento de ABORDAGEM,
IMERSÃO e DESPEDIDA junto aos transeuntes. Os professores Aníbal e Fernando acompanhavam
e observavam de longe minha aproximação com as pessoas. Em alguns momentos Aníbal,
em reservado, interferia com suas falas explicativas orientando-me para questões
pertinentes ao processo de abordagem. Além disso, questões técnicas também
tiveram de ser resolvidas ali mesmo na hora, tais como o remanejamento da iluminação
para outro ponto do meu suporte; também fui orientada a não utilizar óculos
escuros (pois prejudicaria no momento do “contato” com o publico, e também eu
deveria estar usando meus óculos, pois com minha miopia de quase 4 graus eu
deixava passar muitas oportunidades para estabelecer contato com as pessoas...).
Nesta aula prática eu também experimentava como manusear meu suporte.
Eu senti um leve medinho antes do inicio das abordagens;
pois fazer Teatro Mambembe de rua difere do Teatro de Caixa (teatro em prédio fechado),
bem como de Teatro de Arena, e de intervenções e performances. Mas esse tipo de
Teatro de Animação em Suporte de Caixa cujo contato com as pessoas literalmente
é bastante próximo, realmente foi minha primeira vez. E o que apavora o ator
tímido (mesmo os experientes) é essa abordagem e aproximação LITERALMENTE
cara-a-cara com o publico... tudo pode acontecer. Tudo é inesperado. Tudo é
inusitado. O ator deve estar primeiramente ‘disponível’, ‘aberto’ para o ‘Jogo’.
E também, já ter amadurecimento suficiente (ou ter uma baita cara-de-pau) para
aproveitar as falas dos indivíduos para induzi-los ao objetivo, que são os passos
seguintes do método estudado aqui – a IMERSÃO e DESPEDIDA. O ator também deve ser
um ótimo ‘jogador’ para manusear e transformar as ‘energias’ de cena como bem
entender.
E essa foi a primeira vez que eu não utilizei nenhum recurso
de maquiagem como link psicológico indicando-me para mim mesma que eu não era
eu, eu era a personagem. Acho que neste ‘jogo’ em particular, existia uma linha
muito tênue mesmo com minha personagem, agora pela primeira vez de cara limpa enfrentando
o púbico. O estranho que mesmo com essa tensão, havia um quezinho de serenidade
em mim. Mas ainda devo superar outro ponto: encarar o palco olhando o mundo
pelas lentes de meus óculos de grau... Em oito anos de atividades teatrais eu
sempre vi tudo embaçado. Isso me ajudava bastante na hora de encarar o ofício
de atriz. Mas acredito que já está na hora de me libertar disso também. Para quem
já fez inúmeros trabalhos nus (o que é o terror para todo ator/atriz em
principio), ver o mundo como ele é, não deve ser pior do que a tensão que
experimentei na manhã deste domingo no parque...
Além disso, nessa mesma manhã eu era única aluna escoltada
pelos professores Aníbal e Fernando, as demais alunas não foram por motivos
particulares. O que me fazia sentir quase abandonada na cova dos leões... mesmo
assim fui, com o coração na mão e a confiança em algum lugar no passado... Isso
que eu chamo de jogar-se mesmo! Foi uma experiência sem precedentes. Depois da
tensão, eu me senti como um anjo cego enviado por Deus num terreno
desconhecido, a fim de levar um punhadinho de Luz aos corações abertos que queriam
isso. Foi uma manhã poética para mim. E quando tudo terminou, eu ainda levava
comigo o semblante das pessoas que se sentiam mais alegres ao contemplarem o
que havia dentro de minha caixa. Foi reconfortante. Durante o restante do dia
essas pessoas ainda estavam comigo. Foi lindo sentir isso tudo.
As reações das pessoas foram as mais diversas possíveis, mas
em geral elas saiam felizes após assistirem a exibição do mini-espetáculo de animação
dentro do meu suporte (então concluo que meu objetivo fora alcançado). A seguir
relatarei as situações que mais me chamaram atenção e que contribuíram para a
construção da fala de minha personagem, e também para estender o ‘Jogo Cênico’
com o publico, perceber o quê funciona e o quê não funciona. Lembrando que meu
suporte é uma representação estilizada do Palácio dos Planaltos de Brasília/DF,
com algumas imagens externas ao suporte que dialogam com o texto inicial de ABORDAGEM
da minha personagem. E devido às reações das pessoas ao contato com esse tipo
de teatro, abria-se para mim um ótimo momento para refletir sobre meu ofício
enquanto encenadora. Então eu as observava e pensava: “o que eu tô fazendo
aqui?”
SITUAÇÃO UM:
Três jovens (duas moças e um rapaz), estão parados em grupo,
me olham e eu aproveito; aproximo-me e dou minha fala abrindo espaço para
ABORDAGEM. Consegui a imersão dos três. Todos olharam no suporte (insistiram,
até!), mas a DESPEDIDA não foi bem planejada. Eles ficaram tão interessados no
que experimentavam que perguntavam o que era aquilo, então tive de me
distanciar de minha personagem, e apenas lhes disse tratar-se de ‘Teatro de
Animação em Caixa’, e nada mais. Contudo, queriam saber mais sobre esse tipo de
teatro, eu apenas resumi como sendo mais uma modalidade de Teatro na contemporaneidade,
e disse-lhes que minha apresentação era uma aula que eu estava tendo naquele
momento, monitorada pelo meu instrutor. Eles responderam: “legal...”, então me
despedi, com eles dizendo: “boa sorte!”. Nisso eu concluo que minha DESPEDIDA não
foi a adequada ao jogo cênico, pois tive de me distanciar para explicar o que eu
estava fazendo enquanto intérprete. Eu acho que naquele momento eu não devesse
quebrar a Quarta Parede tão profundamente a ponto de abandonar minha personagem
para responder às perguntas dos jovens... mas acredito que minha pré-disposição
para docência burlou tudo, e eu me via no dever de responder ao interesse deles
pela questão.
SITUAÇÃO DOIS:
Um casal parado num canto comendo algo... abordei a senhora,
que (meu Deus!), apresentou-se totalmente apática. Não conseguiu adentrar no
suporte, nem o quis. Mesmo com minhas tentativas de ABORDAGEM. A mulher parecia
nem saber por que estava ali... não sabia nem por que nascera... foi bastante
frustrante, mas dei-lhe bom dia, e segui. Enfim. Naquela manhã de domingo eu
pude experimentar todo tipo de reação das pessoas. Mas desta senhora, confesso
que a depressão dela quase se instalou no meu coração... tratei de diluir
aquela energia, e tocar adiante. Eu percebi, que com uma abordagem direta como
o publico, o artista da cena deve dosar estar ‘aberto’ para o contato, mas
também saber se defender dessas ‘energias’ baixas e não se deixar contaminar com
essas situações adversas. Eu achei que nesse tipo de teatro, é difícil manejar as
‘energias’ e estados disponíveis para a cena. Acho que, assim como Teatro
Mambembe é um super exercício para o amadurecimento e manutenção psicológica e psíquica
do ator, em variados aspectos, o Teatro de Animação em Caixa também o é, e
exige muito do atuante desde o inicio de seu processo linguístico.
SITUAÇÃO TRÊS:
Uma dupla de amigos. Eles passaram por mim num dos corredores
super populosos da praça. Havia barulho de bandinha tocando num coreto próximo,
do outro lado ao longe, uma apresentação de brega (eu acho), só sei que o
barulho e trafego de gente era infernal! Mas... um dos rapazes olhou favorável para
meu suporte e para mim, então aproveitei a chance. Iniciei a ABORDAGEM; o moço
estava igualmente aberto para a experiência, e olhou para dentro de meu
suporte. Saiu mais feliz ainda de quando se interessou. Apertou-me as mãos,
desejou-me um ótimo domingo com um lindo sorriso instalado no rosto. Sua energia
foi contagiante! Acho que se demorasse mais um pouco haveria o momento dele me enfiar
os braços sobre meus ombros e me arrastar pra tomar uma cerveja e bater um papo...
de tão próximo que ele ficou de mim. Ele alcançou de imediato o que as imagens
de dentro de meu suporte falavam. Mas foi engraçado.
SITUAÇÃO QUATRO:
Uma família (pai, mãe e um casal de filhos ainda garotos). O
pai de família olhou para minha caixa, aproveitei a deixa e quando segui na sua
direção, o homem foi tão espontâneo! Ele desesperadamente se esquivava dizendo:
“Não! Não vem não. Afasta isso de mim... aí só tem ladrão...”. E ao nosso redor
sua esposa e filhos se divertiam com a situação. Então eu aproveitei a própria fala
e reação do homem para persuadi-lo a interessar-se em olhar dentro do suporte. Ele
foi favorável, embora ainda bastante desconfiado. E foi interessante eu
acompanhar a mudança tensa de postura corporal do homem e relaxamento do semblante
dele em relação ao apresentado dentro do meu suporte. Eu confesso que esse foi,
(de todos), o momento em que eu me emocionei de fato. Pois o homem estava
visivelmente contrariado à minha ABORDAGEM. E vê-lo se transformar na minha
frente, perceber seu rosto feliz e até mesmo com rascunhos de esperanças... Naquela
manhã eu havia tocado alguém, e para mim, meu oficio enquanto artista da cena, valia
à pena... não há nada comparado quando um artista consegue estabelecer esse ‘contato’
com alguém a ponto de fazê-lo mudar de paradigmas através de sua própria emoção,
leitura de mundo e experiência sensorial quando ele (publico) consegue comunicar-se com o que está sendo apresentado pelo artista. Ocorre um ‘dialogo’, uma troca
de experiências, de energias... Eu fiquei bastante feliz. Muito emocionada. Cumpri
meu papel no mundo naquele ínfimo momento perdido no tempo e na memória de
ambos.
Katiuscia de Sá
Escrito em: 30 de Setembro, 01, 04 e 08 de Outubro de 2013.
14:51h. *ouvindo “Warm Air” (Vanessa-Mae).